Introdução
O ano 2012, no prático da escola de missões Steiger, tive que liderar o grupo que realizou um trabalho de percepção (chamá-lo simples, elementar, básico, mas não menos importante) da sociedade na cidade de Madrid. Em uma semana tivemos que fazer, com a ajuda de Deus, uma leitura social / espiritual do lugar; com essa informação, os seguintes grupos foram indo para fazer evangelismo com as igrejas locais. Lembro-me ter feito um relatório que apresentava uma relação entre as touradas e as pessoas da cidade: do mesmo jeito que o touro é colocado em um lugar pequeno, sem luz, sem comida, sendo perturbado por golpes, para depois soltar ele num espaço barulhento, com tanta luz que o deixa meio cego, onde há uma figura humana brilhante que 'oferta' um tecido para ele descarregar sua ira, mas que se move, aumentando assim a frustração, até o touro ficar totalmente cansado, a sociedade de Madrid foi trancada em um sistema social e econômica que restringe seus movimentos, deixando eles famintos e sedentos em níveis psicoespirituais, oferecendo uma falsa 'libertação' (pseudo liberdade) em meio de um espaço social impiedoso, que fala de atingir algumas metas pessoais, mas para a frustração da pessoa, não pode alcançá-las, deixando-lhe cansada até que o sistema, sempre brilhante, mergulha uma espada direto no coração, matando-a.
Das Escrituras para a ação local
As percepções que temos das cidades são importantes quando se pensa em planejamento, tanto em evangelismo, atividades de extensão com a vizinhança e para a série de sermões em nossas igrejas locais. O apóstolo Paulo fez em Atenas, aguardando a chegada de Timóteo e Silas, depois de fugir da perseguição em Tessalônica e Bereia. As Escrituras declaram que Paulo viu a cidade e seu coração se angustiou a vê-la entregue à idolatria. Como entender a situação, Atenas era uma mistura do materialismo desencantado e sincretismo. Em Atos 17:21 diz: "Pois todos os atenienses e estrangeiros residentes de nenhuma outra coisa se ocupavam senão de dizer e ouvir alguma novidade." Em seguida, o apóstolo Paulo pregou-lhes o Evangelho de Jesus Cristo a partir da proximidade da identidade da cidade. Paulo deve ter pesquisado, lido, aprendido, e conhecido a história que lhe permitiu falar uma linguagem comum e relevante. Paulo não minimizou o Evangelho. Paulo não diluir a mensagem. Paulo não apresentou um outro Cristo; simplesmente o comunicou atacando a idolatria, anunciando a salvação em Cristo Jesus.
Um dos autores mais conhecidos na América Latina que fala sobre esta questão é Tim Keller. Uma das coisas que Keller diz no "Manual del Plantador” (em espanhol) na experiência deles com a Igreja Redentor em Nova York, é que o fato deles compreender o ambiente, os ajudou aprender com humildade para respeitar a cidade, cientes de que é necessário gerar uma relação de reciprocidade: por um lado, a igreja precisa da cidade para aprofundar ainda mais no entendimento da graça de Deus, enquanto que a cidade precisa à igreja pela mesma razão.
Na minha anterior experiência de plantação de igrejas (em Santiago de Chile), perceber a cidade foi fundamental para o desenvolvimento da mesma. Tomar o pulso do centro da cidade nos permitiu identificar diferenças culturais significativas entre os ‘micro bairros’ e a visão de mundo que definiram as suas próprias existências. O que chamamos de 'comunidades missionais' eram simples atividades de relacionamento com o entorno. Enquanto em um bairro fizemos teatro, música ao vivo, palestras sobre vários temas, festas do chá, etc, no outro bairro fizemos feiras de empreendedorismo, encontros de poesia latino-americanos e festivais património. Essas atividades decorrentes de outras atividades anteriores da Igreja, como caminhadas de oração, observação activa dos bairros, conexão com os vizinhos; o fato de sentar e olhar para o bairro. E isso leva tempo.
Olhando para Maringá
“E, vendo a multidão, teve grande compaixão deles, porque andavam desgarrados e errantes como ovelhas que não têm pastor. Então, disse aos seus discípulos: A seara é realmente grande, mas poucos são os ceifeiros. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a sua seara.”
[Mateus 9:36-38]
Maringá foi fundada pela empresa "Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná" em 1947, embora o projeto existe desde 1943, da mão do urbanista Jorge de Macedo Vieira, que era um seguidor do conceito de "Cidade Jardim" do britânico Ebenezer Howard. Uma "Cidade Jardim" é uma "área urbana projetada para uma vida saudável e de trabalho; Ela terá um tamanho que possibilita uma vida social a vontade, não deve ser muito grande, seu crescimento será controlado e haverá um limite populacional. Será cercada por um cinturão vegetal e comunidades rurais numa proporção de 3 para 1 em relação à superfície urbanizada. O todo, especialmente o solo, será de propriedade pública, ou deve ser propriedade de forma associada pela comunidade, a fim de evitar a especulação com a terra.
Foi durante a década de 1960 que a cidade teve um crescimento explosivo, impulsionado tanto pelo seu plano original de urbanização, como pelas oportunidades de emprego e altos índices de qualidade de vida que permanecem até hoje, colocando a cidade na posição Nº 4 das melhores cidades para se viver no Brasil. Como sugere o website do Município de Maringá "Se atualmente Maringá apresenta elevados índices de qualidade de vida, deve isso ao seu povo, em todos os tempos históricos, pois soube escolher os governantes e trabalhou noite e dia para a cidade ser o que é. Portanto, o maior patrimônio maringaense é sua gente, acima de qualquer bem material ou imaterial".
Não é difícil perceber que a cidade de Maringá é uma espécie de cidade modelo. Suas ruas cheias de árvores, suas trilhas tão bem pensadas, suas avenidas planejadas para o comércio e as suas ruas circundantes planejadas para habitação, os seus parques (o 'Parque do Ingá' é imensa, a proporção da cidade), sua actividade comercial, tanto carro novo (realmente me surpreendeu, comparando com outras cidades brasileiras que conheci). Tudo o que o conceito urbano de "Cidade Jardim" oferece, se reflete em Maringá.
Mas além do fascinante que pode ser uma cidade tão limpa e arrumada, há um aspecto de seu povo que me chamou a atenção.
Um dos estudiosos que mais li ultimamente, foi o filósofo coreano Byung-Chul Han, cujas reflexões me permitiram ter uma visão filosófica do comportamento humano moderno tardio. Em seu livro "A Sociedade do cansaço", o filósofo argumenta que "a sociedade disciplinar de Foucault, que consiste em hospitais, psiquiátricos, prisões, quartéis e fábricas", deu lugar a uma outra sociedade que consiste em "ginásios, torres de escritórios, bancos, aviões, grandes centros comerciais e laboratórios genéticos". Para Han, "a sociedade do século XXI não é mais disciplinar, mas uma sociedade do desempenho". O desempenho, como uma virtude da sociedade moderna tardia, aplica-se a todas as áreas da sociedade. O sujeito do desempenho, como ele chama o ser humano desta sociedade, explora-se para atingir seus objetivos "próprios" (que não são outros, mas os objetivos do mesmo sistema). Ele se torna um escravo para si mesmo. Essa auto-exploração leva ao esgotamento. Para continuar o assunto de desempenho, o sujeito requer doping. Mas você não deve apenas entender o doping como o consumo de drogas permitidas, mas que o doping está presente em tudo que lhe permite estar sempre disposto a continuar se desempenhando bem para ser bem-sucedido. O problema, como Han diz, é que "o excesso de desempenho pode gerar um infarto da alma". Em seu livro "A Agonia do Eros", Han nos dá mais um aspecto dessa sociedade moderna tardia: O novo escravo (o escravo de si mesmo), motivado pela defesa de seu bem-estar, coloca a saúde a um nível de um fetiche. Para o novo escravo moderno, "saúde como tal constitui um valor absoluto. A saúde é elevada ao status de "grande deusa": a saúde é venerada”.
Maringá é uma cidade de sujeitos do desempenho. O número de centros médicos, clínicas dentárias, centros de beleza, clínicas estéticas, academias, centros holísticos, clínicas da alma é diretamente proporcional às árvores em suas ruas. Todos e cada um desses espaços procuram oferecer sacrifícios à 'deusa da saúde', que 'nos abençoa' com a possibilidade de continuar gerando sucesso. "Em uma sociedade onde todos são empresários de si mesmos, domina uma economia de sobrevivência", acrescenta Byung-Chul Han mais tarde em sua teoria.
Maringá é uma cidade maravilhosa, mas precisa ouvir o Evangelho de Jesus Cristo. Esse evangelho nos lembra que não podemos fazer nada para merecer o amor de Deus, mas para aceitar pela fé que outro fez por nós e imputa Sua obra misericordiosamente. É uma mensagem contracultural para a sociedade do desempenho, mas essa é a mensagem que emana da Palavra de Deus.
Em um próximo post vou propor algumas ações para viver uma vida de encarnação, que nos confronta com a nossa própria permeabilidade à cultura e nos constrange a cuidar de nossa própria espiritualidade bíblica.
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